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Da desigualdade e crise socioambiental à economia do bem comum

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As vozes que emanam dos povos originários, comunidades tradicionais do Brasil e de diversos outros lugares de fala em prol de um mundo mais equitativo, justo e sustentável, há décadas alertam para os problemas e riscos crônicos de natureza socioeconômica e ambiental.

Pensar o desenvolvimento sustentável é buscar compreender o complexo da desigualdade, o conceito de sustentabilidade, o comportamento social, os dilemas em torno da questão econômica, da crise climática, do próprio conceito da sociobiodiversidade e da dimensão e papel da sociedade. A busca por compreender estes complexos será permanente à medida que a sociedade evolui.

Amartya Sen, em “Desenvolvimento como Liberdade” (2000, p. 18) argumenta que o desenvolvimento requer o combate e eliminação dos fatores de privação de liberdades: pobreza, autoritarismo, fontes de enfraquecimento da democracia, carência de oportunidades econômicas, destituição e deslegitimação sistemática de movimentos sociais, negligência e precariedade dos serviços públicos (inclusive dificuldade de acesso) e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos.

O desenvolvimento sustentável é uma utopia?

São as pessoas menos responsáveis pela crise climática as mais prejudicadas, por exemplo. É preciso questionar as injustiças sociais, os privilégios, a relação do ser humano com a terra e espaços que habita, a lógica de consumo e de produção.

Construir o desenvolvimento sustentável requer mudança de mentalidade e colaboração. Historicamente, nunca tivemos tantas condições e recurso favoráveis para isso. Organizações e iniciativas da sociedade, governos e mercado, estão interligando suas agendas a partir da pauta da sustentabilidade e crise climática, com o objetivo de aumentar o engajamento entre esses setores e eliminar barreiras regulamentares e políticas que impedem o desenvolvimento de modelos de produção sustentáveis e ações para fomentar o desenvolvimento científico e tecnológico, criando impacto positivo e inclusão social.  

Qual a responsabilidade e o papel das empresas frente à crise climática?

O economista Pavan Sukhdev (2013) reflete que executivos e stakeholders devem exercer uma liderança entendendo a importância de engajar suas empresas em uma agenda, cujas propostas legitimem a construção de um legado que alcance objetivos sociais como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS. Compreendo que, o lucro contribui para uma economia sustentável, mas não pode ser o único objetivo de uma corporação.

Vem crescendo o número de lideranças e empresas que atuam a partir de propostas e objetivos sociais. A questão é: como abrir espaços, criando oportunidades para o engajamento de mais empresas de todos os setores, e portes?

A mudança de cenário ainda depende de fatores normativos, regulamentares e de produção. O foco predominante, ainda é na competição, e esse cenário é desigual entre as regiões, agravados por fatores culturais, pelo custo Brasil, por um sistema tributário segregador, benefícios fiscais concedidos a setores poluentes e o risco de corrupção.

Não generalizando, mas ainda é questionável a ética das estratégias de algumas empresas, que levam os consumidores a comprar e descartar produtos em uma “obsolescência programada”, longe do modelo de economia circular, o qual busca estender a vida útil dos produtos tornando a produção mais sustentável, menos dependente de recursos naturais. Para isso, a matéria prima é utilizada até que não possa mais ser transformada, reutilizada ou reciclada, sem recorrer ao descarte precoce, prejudicial para o meio ambiente.

Enquanto no modelo atual e predominante de economia linear, a lógica está condicionada ao aumento da produção e crescimento do consumo. Essa lógica e pensamento linear estão por trás de muitos problemas ambientais que enfrentamos: obtenção de água potável, alimentos, moda, construção civil, urbanização, lixo, dentre outros.

Uma questão de ética e de responsabilidade para todas as gerações

Desmatamento, desertificação, poluição, risco de aumento de gases de efeito estufa, desmobilização, sucateamento e deslegitimação de órgãos e instituições ambientais. Estamos presenciando uma crise ambiental e climática. Cenário que agrava o desafio da desigualdade e todos nós somos parte desse desafio, hoje:

Embora os avanços extraordinários em termos de conhecimento e algumas tecnologias  precisamos fortalecer e estimular o engajamento de todas as gerações frente às mudanças climáticas.

Johan Rockström, acadêmico de impacto climático, acredita que devido aos impactos da crise climática, trata-se na verdade de uma crise social. Já o cientista e climatologista Carlos Nobre reflete que a discussão sobre mudanças climáticas transcende a questão política e economia, e trata-se em primeiro lugar de uma questão ética.

Portanto, a ética, assim como a cultura de sustentabilidade devem ser estudadas em todos os níveis educacionais em um diálogo transdisciplinar, permeando os espaços e ambientes de aprendizagem ao longo da vida.  

Como queremos ser lembrados? Somos a atual geração e dentre os vários dilemas da humanidade, precisamos escolher agora o legado que queremos deixar.

Uma comunidade humana sustentável, hoje, e para o futuro

Na cultura globalizada, consumo é um elemento de identidade e tem um papel nas relações sociais. Talvez padrões de consumo sejam um dos indícios mais evidentes da globalização. Marcas, produtos, serviços se tornam mundialmente conhecidos e desejados, o que não significa ter acesso ou condições para consumi-los, ou que são necessários e sustentáveis.

As discussões em torno do acesso, revela outra questão, o cenário de injustiça: enquanto algumas pessoas têm demais, outras não têm nem o básico para viver. Hélio Mattar idealizador do Instituto Akatu, reflete:

“Não há ato de consumo que não tenha impacto sobre a sociedade, a economia, o meio ambiente e o próprio indivíduo.” – Hélio Mattar

O consumo consciente surge como uma das respostas para o uso sustentável dos recursos, mas, sem a mudança do modelo econômico linear para o circular, tornar-se apenas um paliativo.      

O crescimento econômico baseado em consumo é insustentável pois baseia-se na acumulação, no excesso, na obsolescência programada, na posse em detrimento do uso e não do acesso, segundo Pavan Sukhdev.

Outras reflexões são necessárias:

Como se daria a mudança do consumo individualizado para o coletivo e compartilhado, e nesse âmbito, é possível que objetos de desejo de consumo percam a natureza de identidade e expressão individual, se forem compartilhados?

Como conduzir o desafio de passar do físico/material para o virtual? Como seria a relação de consumo com as relações sociais? 

Para um exercício de reflexão crítica sugiro assistir “Amanhã Chegou”. Esse documentário nacional investiga o consumo no século 21, tratando de atitudes concretas diante da escassez de recursos, “capitalismo consciente”, papel do marketing, novas possibilidades de distribuição de riquezas.

Se quisermos cultivar uma vida próspera e digna para as próximas gerações, devemos valorizar cada vez mais a construção de pontes de acesso ao exercício da cidadania em comunidade.  

Energias renováveis e seus benefícios socioambientais

Se estamos falando em desenvolvimento sustentável, então uma matriz de energia limpa e segura deveria ser prioridade. O Professor Ricardo Abramovay reflete:

Como gerar mais energia de forma limpa para que não haja mais impactos negativos sobre o meio ambiente e sobre os seres humanos? Como fazer com que esta nova energia traga benefícios sociais? Apesar do cenário favorável e do potencial das energias renováveis, como lidar com a necessidade e o desafio de transição de fontes de energias fósseis para renováveis, sabendo que ainda dependemos das fontes fósseis?

A Frente por uma nova Política Energética, articulação nacional que reúne de forma livre e espontânea um conjunto de organizações da sociedade civil, defende uma nova política para o setor energético baseada nos seguintes princípios: participação popular; justiça socioambiental com respeito aos direitos humanos, da natureza e à diversidade cultural; eficiência energética; abandono dos combustíveis fósseis, da energia nuclear e de novas hidrelétricas; diversificação da matriz energética – priorizando a geração descentralizada com fontes renováveis de menor impacto; e autonomia energética das pessoas e comunidades, na perspectiva do bem viver e da ecologia integral.

Segundo o Instituto E+ Transição Energética, que nasceu sob a inspiração da equipe do Instituto Clima e Sociedade (iCS), a transição para um matriz energética limpa já é uma realidade e para continuar é preciso planejamento, regulação, investimento, pesquisa e qualificação.

A Fundação Heinrich Böll publicou o relatório Desafios e Oportunidades para o Brasil com o Hidrogênio Verde, um estudo produzido pelo Instituto E+ Transição Energética que apresenta os conceitos, desafios e oportunidades econômicas na produção e no uso do hidrogênio verde para a descarbonização da economia, e o elo faltante da transição energética. O próprio relatório questiona: o hidrogênio verde é o caminho para uma produção de energia menos prejudicial ao meio ambiente e suas populações ou trata-se de mais uma “solução equivocada”?

Com o propósito de contribuir ainda mais com o tema, a Fundação Heinrich Böll publicou a entrevista com a Frente por uma nova Política Energética que aponta os principais riscos e potenciais impactos que a produção e uso do hidrogênio verde podem ter no meio ambiente e na sociedade.

Para o professor Osvaldo Soliano, com orientação política clara e consciente, o Brasil tem condições de se tornar uma potência energética de matriz quase 100% limpa, sem destruir florestas ou afetar a vida de milhares de pessoas, como acontece quando se constroem grandes hidroelétricas. E, além de explorar os potenciais existentes de energia eólica, solar e biomassa, o país precisa estar atento para outras fontes renováveis como a energia eólica offshore e a energia oceânica.

Podemos e estamos construindo um mundo sustentável.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) define que “uma economia verde inclusiva aprimora o bem estar humano e constrói equidade social, ao mesmo tempo, reduzindo riscos e escassez ambiental”. É uma alternativa para o modelo econômico linear dominante, que contribui para as desigualdades e gera ameaças para o meio ambiente e para a saúde humana.

O Brasil deve consolidar uma Economia Verde e protagonizar seu desenvolvimento sustentável, por dois motivos:

o primeiro refere-se ao conjunto da  sua sociobiodiversidade, da Amazônia, por todo o potencial da bioeconomia;

o segundo, pelas experiências no desenvolvimento de sistemas produtivos sustentáveis que integram várias atividades como, a agricultura, pecuária e floresta. Para melhor entendimento desse ponto, sugiro duas leituras complementares do professor Abramovay – “Cúpula dos Nobel quer biodiversidade no comando da economia” e “Amazônia protagonista da bioeconomia”.

Para o Fórum Mundial de Bioeconomia não existe uma bioeconomia que sirva para todos, mas várias bioeconomias baseadas em seus próprios pontos fortes, e nesse aspecto o Brasil tem o que nenhum outro país tem, sua biodiversidade.

Mas precisamos refletir – Quais incentivos estamos esperando para construirmos às mudanças necessárias? Será preciso a influência de um fenômeno de natureza catastrófica, para fazermos as escolhas certas?

E preciso destacar a relevância de investirmos em educação. A educação constrói condições para uma sociedade mais equitativa e menos desigual, nos livra do risco de nos tornarmos reféns do desconhecimento, de histórias mal contadas, e de narrativas padronizadas. Histórias inspiram, e histórias reais impulsionam a transformação.

Sociedade, Empresas e Governos devem cocriar soluções a partir de uma estratégia de cooperatividade sistêmica, não apenas integrando recursos, mais alinhando propósitos e desenhando uma agenda plural e convergente de governança ambiental, social e econômica, em que, cada setor gere efetivo engajamento e impacto positivo e sustentado para solucionar os problemas estruturais, garantindo à população brasileira efetiva condição de pertencimento, dignidade e justiça social.

Qualquer que sejam as estratégias ou etapas dos processos de desenvolvimento de um projeto para o Brasil com impacto a longo prazo, é preciso evitar o aumento dos custos de vida para a população e para as organizações. Sobretudo, não se pode admitir a desvalorização e insegurança dos povos originários e comunidades tradicionais do Brasil.

A cultura de sustentabilidade ambiental, harmonia ecológica, igualdade e justiça social são a maior inovação de impacto social que devemos continuar aprendendo e empreendendo. Cooperação não é somente uma estratégica. É um caminho para uma humanidade mais solidária, livre e justa.

Ilustração da capa: Muhammed Sajid

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